quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Hans o alemão



Capítulo5

Contudo, tornara-me um adolescente interessante (diziam), de aspecto imponente e bastante invejado, devo dizer.

Aprendera a comportar-me como era devido e a minha educação continuava de vento em popa bem como os meus bons resultados aquando dos exames a que era submetido.

Continuava a dar-me bem com todos lá em casa, mas, a verdade, é que o meu relacionamento especial com a Carlota se tornou mais especial, tendo evoluído por um caminho que nenhum dos dois entendia muito bem.

Só estávamos bem um com o outro, se alguém se entrepunha sentíamos uma irritação esquisita que agora entendo serem ciúmes, Ora estávamos uma doçura, ora nos tornávamos quezilentos e insuportáveis um para o outro sem mesmo sabermos porquê. Apesar disso, eu não conseguia tirar do meu pensamento aqueles olhos verdes, lindos e expressivos que me faziam sonhar. E para ser verdadeiro, julgo que ela também pensava em mim.

Andávamos nesta inquietação até que, para a Carlota, muito mais perspicaz do que eu, diga-se, se fez luz: estávamos apaixonados!

É verdade. Eu era novito mas precoce!

Lá fomos aguentando este estado de coisas o melhor que pudemos, sem que ninguém se desse conta do sentimento que nos consumia. Até que, o inevitável aconteceu.

Ficámos ambos assustados, sem saber bem o que pensar, o que fazer, mas ao mesmo tempo tão felizes, tão radiantes, que tivemos alguma dificuldade em nos controlarmos o que era absolutamente imprescindível. É que nessa altura eu julgo que a Fiona já andava com a pulga atrás da orelha (salvo seja).

Os dias foram passando e nós neste estado de espírito que vogava entre o céu e as nuvens; tão felizes!

Como digo, tudo corria de vento em popa e eu, nessa altura um belíssimo adolescente já crescidote, achava que tinha tudo controlado e que a minha vida iria girar sobre rodas na companhia da Carlota para todo o sempre.

Até que um dia, a tal senhora bem-disposta (agora a mamã) que, não sei se ainda se lembram, me foi buscar ao aeroporto (Havia já tanto tempo!), enquanto trocava umas impressões com a Carlota, achou-a um pouco diferente. Linda, como sempre mas mais gordita. Claro que a aconselhou a ser mais cuidadosa com a alimentação pois, uma jovem como ela, ainda por cima lindíssima (possuidora, insisto, do par de olhos verdes mais bonitos e mais expressivos que algum dia vi), não se podia desleixar.

Ao contrário do que era habitual a Carlota não respondeu o que era uma situação quase inédita. Até se dizia lá em casa em relação a ela e quando a queríamos atazanar um bocado: “ Contigo, vai mais depressa um pobrezinho sem esmola do que sem resposta”.

Embora tenha estranhado o seu pouco habitual mutismo, não lhe atribuí verdadeira importância tal era o meu enlevo. Aliás, achava um exagero da mamã. A Carlota não estava nada gorda, estava linda, como sempre.

E o tempo lá foi correndo.

Até um dia!

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Hans o alemão


Capítulo 4

A família costumava viajar bastante. De vez em quando lá íamos todos de malas e bagagens visitar diversos locais, uns mais próximos, outros mais distantes, onde nos encontrávamos com outras famílias parecidas com a nossa e fazíamos grandes festas.

Por norma, talvez por ser dos mais novinhos e ter bom feitio, era muito apreciado. Diziam também que era muito bonito mas aí, a minha modéstia, impede-me de levar tais elogios a sério. Contudo, fosse lá pelo que fosse, era sempre alvo de uma atençãozinha especial; uma festa, um piropo, um beijo mais molhado, um apertão daqueles que me deixava meio abanado, enfim, todas aquelas coisas a que a minha esmerada educação não permitia que me esquivasse.

O tempo foi passando e eu estava mais do que contente com esta vida regalada que todos me proporcionavam. Das raparigas que tomavam conta de mim, havia uma por quem eu tinha uma certa predilecção.

Era bonita, que era, mas nem era bem isso que me atraía nela. Era mais o seu temperamento. Embora não fosse a mais velha, nem tampouco exercesse a liderança desse pequeno grupo, esse era exercido com muita eficácia pela Fiona, uma beldade norueguesa, era muito senhora do seu nariz e tinha opiniões muito próprias acerca de tudo e de todos. Era bastante independente e não era fácil fazê-la mudar de opinião. Só o fazia quando lhe era apresentada uma muito boa explicação que ela achasse plausível. Quando assim acontecia, também não era de teimas, aceitava e pronto.

Eu gostava desse temperamento talvez porque eu era um pouco retraído e via ali o modelo daquilo que eu gostaria de ser. Além disso dávamo-nos muito bem. Sim, porque a verdade é que ela também simpatizava especialmente comigo.

Tornámo-nos assim inseparáveis.

O tempo foi passando e, embora continuasse a ser “O Bebé”, “O Pequenito”, “O Panunfitas”, a verdade é que eu fui crescendo, sem que ninguém se tivesse dado muito conta disso tal era a vontade de terem a quem mimar. E eu ia deixando correr, tendo perdido indecentemente acompostura e mendigando atenções a torto e a direito.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Hans o alemão

(Começa aqui)

(Imagem: Suported-painting by Erika Hastings)

Capítulo 3

Enfim, fui um poço de mimos. Todas me queriam agradar de todas as formas possíveis e imaginárias. Antecipavam as minhas vontades mesmo ainda antes de eu sonhar que as viria a ter, aconchegavam-me os cobertores, reservavam-me o melhor assento, o melhor pedaço da refeição, cuidavam do meu aspecto, ensinavam-me novas maneiras, novas posturas. Sentia-me um príncipe. Até já nem me incomodava que me chamassem Bebé!!!

Foi aqui que eu percebi que, ou me enganava muito, ou tinha tido a maior sorte do mundo. É que embora de educação teutónica, um tanto rígida em que os sentimentos não se evidenciam por dá cá aquela palha, o que eu queria era todos estes mimos e atenções que me dispensavam, perante os quais, eu me derretia indecentemente. Nem quero imaginar o que diriam o meu pai ou a minha mãe se me vissem nestes preparos, afinal eu sou um Av Fagger!

Embora ao cuidado das três beldades lá de casa, não quer dizer que os restantes não se debatessem para cuidar de mim, para me mimar, para conversarem longamente comigo enquanto eu preguiçava ao seu lado no sofá. Estavam sempre atentos aos mais ínfimos pormenores. Até me liam poesia! A tal senhora gordita que agora já não era a “a tal senhora gordita” era a mamã.

Bom, era mimado até à exaustão. Confesso que, apesar de todo esse mimo, não era meu hábito perder a compostura. Enfim, poderemos condescender aqui numa meia duzita de excepções… Mas nada de muito relevante ou especialmente vergonhoso, julgo eu…

Com este tratamento, podem imaginar que não me foi nada difícil adaptar-me à minha nova casa e à minha nova família. Confesso que até já nem tinha lá grandes recordações da minha vida anterior. Era também muito novinho quando a deixei.

Contudo, de vez em quando, vinha-me à memória uma voz doce e um olhar brilhante, azul, que me deixava um friozinho na barriga. Julgo que seriam lembranças da minha mãe, Tora-ViK, uma verdadeira beldade e que, por isso mesmo, não pudera continuar a cuidar de mim. Era uma vedeta!

Quando isso acontecia e o meu olhar se turvava um pouco, era imediatamente assaltado pelas minhas guardiãs que me faziam, com as suas brincadeiras, espalhar os pensamentos mais tristes.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Hans o alemão

(Começa aqui)

Capítulo2

Chegados ao destino verifiquei que se tratava de uma casa grandita, pelo menos assim parecia, e cheia de actividade. Fui imediatamente rodeado de pessoas e crivado de perguntas: se estava bem, se não estava com fome, ou sede, se estava muito cansado… Todos e cada um queriam estar o mais perto de mim possível; falar comigo, observar-me, fazer-me uma festa… Bom, creio que o normal quando chega alguém que não conhecemos e com quem vamos ter de viver.

Lá fui aguentando todas estas manifestações de interesse e de carinho, com o meu melhor sorriso e da forma mais recatada possível, embora com afabilidade, dado o tipo de educação que eu tivera em que a exuberância não era muito bem vista.

Era uma família numerosa, aquela que eu vim integrar. Todos muito ocupados mas incrivelmente carinhosos e atentos às minhas necessidades e aos meus humores. A juntar à família, não era de todo incomum encontrarem-se lá em casa, amigos dos filhos da senhora simpática. Fui apelidado de “o nosso bebé” “ “o pequenito”… Devo dizer que não gostava lá muito destes epítetos carinhosos, mas atendendo a que era, de facto, o mais novinho lá de casa, aceitava-os com paciência. Era uma forma de reconhecer o afecto com que estava a ser recebido.

Havia apenas um com que eu embirrava sobremaneira: “Panunfinhas”. Eu não percebia lá muito bem português, mas, não sei porquê, embora sempre com um tom de voz carinhoso, não ficava muito contente quando um dos muitos amigos lá de casa, um mais especial e que lá passava muito tempo, me chamava assim. Também nunca percebi muito bem porque é que toda a gente lhe chamava “Rain”. Por isso sentia-me vingado.

Como já disse, era uma família de pessoas ocupadas e, para facilitar o meu bem-estar fui entregue às raparigas para que tivessem o cuidado de me tratarem e de facilitarem a minha adaptação. Assim, o meu alojamento, passou a ser junto do delas.