segunda-feira, 18 de maio de 2009

Um café e uma nata


Estava naqueles dias completamente embirrentos em que tudo parece correr mal sem que de facto corra pior do que é habitual e tudo o que me apetece é nada. Absolutamente nada.

Como este meu lado “lunar” me é, por si só, particularmente irritante, tomei a decisão (muito difícil nestes dias) de me enfiar no Metro, sair na estação que mais me apetecesse, tomar um café e, regressar. Podia ser, pensava eu, que me arejasse as ideias.

Assim fiz. Peguei na mala, no casaco e tratei de apanhar o Metro. À medida que fui andando fui olhando atentamente para ver se decidia qual o local que me parecia mais convidativo para sair. Como nenhum me pareceu particularmente interessante e até acabei por me esquecer que queria sair num local giro, dei por mim no terminal da linha, em Campanhã.

Ora, para quem é do Porto não será necessário explicar que Campanhã não é propriamente a melhor zona para uma Sôdonagata que se preze estar mais descontraída a tomar o seu cimbalino. É que, como em qualquer cidade, as zonas que se encontram muito próximas das grandes estações de caminho de ferro, estão eivadas por um tipo de “cafés” muito específico, onde pululam as mais variadas e interessantes espécies da fauna humana.

Mas como o objectivo era tomar café lá escolhi um com um aspecto bastante normal e que, aparentemente, não servia bifanas nem moelas e também não me pareceu que alugasse quartos. Sentei-me, pedi o cafezinho e estava ainda a ponderar se devia ou não comer uma natinha com um ar extraordinariamente convidativo quando a conversa que se desenrolava na única mesa que também estava ocupada me fez arrebitar as orelhas embora mantivesse os olhos recatadamente no livro que levava para ler (num café em frente à estação de Campanhã, lindo!)

Vou tentar reproduzir de forma minimamente fiel o que ouvi. Claro que tomei algumas notas nas costas de uma receita que trago na carteira há uns tempos e que, naturalmente, já não irei aviar. Não produzirei propriamente diálogos, pois não me era possível ver quem estava a falar. Contudo, se me chegar o engenho, espero que se divirtam como eu me diverti. Achei delicioso. O grupo de pessoas que assim falava era composto só por homens de idades compreendidas entre os 35/36 anos e talvez os 60.

Uma sugestão: tentem ler o que aqui vai com sotaque do Porto bem cerrado. E também, claro, com a devida entoação. Se assim não for, perde metade da graça.

- Olha, olha, já bistes aquele? É pá, o gajo (leia-se gaijo, não se esqueçam) é que tem sorte. É milhor ir pa isto do que pa trolha!!! Num fazem nada! E quando dá merda (desculpem, tem de ser) puxam do apito e já tá. Olha pó gaijo, carago. Andam sempre limpinhos…

- Olhe lá, eu inda acho quisso le faz mal (o outro estava a tomar chá)! Tanto chá, tanto chá… é quisso pracendo que não é muito ácido! Ponha-se masé fino!

Olhe que deve ganhar praí 600 contos. Num ganha? Num ganha? Olhe pás divisas. Bocê num percebe, num andou na tropa, mas se são uma atrabessada e outra ao contrário, é uma coisa. Agora assim…

E parece um gajo novo mas tem praí 40 anos! Ai não, ai não. Bou-le masé perguntar. Aquilo é já de sargento pra cima o que é que julga? É praí alferes, bocê num andou na tropa, é como le digo homem!

Olha, olha, o Zé bai lá mesmo! Olha, bai-lhe perguntar! E so gaijo tem mau feitio?

Neste ponto, não pude deixar de me virar para ver a pessoa a quem se estavam a referir tão interessadamente e avistei então um jovem, fardado que se encontrava na paragem de um qualquer transporte, autocarro, camioneta, sei lá. Mas continuemos.

Tu bais ber a notícia que bai trazer, vais ber que o gaijo ainda é bombeiro. E as estrelas, pá. O gaijo tem estrelas!

Olha, o Zé já bem. Bais ber que já sabe tudo.Atão, ó Zé?!

- É da GNR, tem 23 anos (risos), está a tirar o curso e aquelas dibisas num querem dizer nada!

-Nem alferes? Oh! Então pra qué que o gaijo anda com aquilo?

E a conversa retomou novamente o assunto da acidez do chá, eu paguei o meu café (e a natinha, é verdade) e regressei muito mais animada com a frescura e a ingenuidade desta conversa de homens adultos, numa tarde, num café de Campanhã.

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